Os temas que envolvem o Direito Desportivo são apaixonantes. Sempre polêmicos e possíveis de serem interpretados de várias formas.
Este tema foi objeto da palestra por mim proferida no 54º Congresso Brasileiro de Direito do Trabalho organizado pela editora LTr. Tal fato, foi motivo de enorme satisfação pessoal, principalmente em razão da exposição ter sido feita às vésperas do Brasil sediar a Copa do Mundo de futebol depois de 64 anos.
É muito gratificante relembrar fatos históricos e pitorescos que nos ajudam a entender a atual regulamentação da atividade do atleta profissional.
O futebol tem a graciosa virtude de unir culturas e povos, sem distinção de credo, raça ou origem. A linguagem da bola é universal.
No início do século XX, enquanto o Brasil começava a tomar gosto pelo esporte e assistia Arthur Friedenreich ser carregado em triunfo pelas ruas do Rio de Janeiro após conquistar o título de Campeão Sul Americano, o futebol era praticado por uma minoria privilegiada de filhos de imigrantes ingleses. Nesta época, sequer se cogitava reconhecer o atleta como um trabalhador.
O doutrinador Hector Barbagelata, cita três entraves para o reconhecimento do futebol como trabalho: a) o complexo processo do amadorismo ao profissionalismo; b) o desporto é mais uma diversão do que uma obrigação; c) o alto grau de participação do público.
Apenas no início da década de 1930 é que surgem as primeiras normas disciplinando a prática desportiva, com forte característica intervencionista do Estado. Nesta época a preocupação era a de evitar o êxodo de jogadores para o exterior.
Episódio interessante é o relatado pelo ministro Mozart Victor Russomano enquanto juiz presidente da 1ª Junta de Conciliação e Julgamento de Pelotas, julgou um processo, no ano de 1951, no qual o reclamante Nelson Feira da Cunha, que havia sido contratado como jogador de futebol do Clube Atlético Bancário de Pelotas, se qualificava como comerciário e não como atleta de futebol.
O atleta profissional não é um trabalhador comum. A legislação aplicável para este trabalhador é a Lei 9.615/98 (Lei Pelé). Naquilo em que esta for omissa se aplica a CLT. Jornada de trabalho A limitação da jornada de trabalho se constitui em uma das formas de proteção do trabalho humano.
“É de fundamental importância a limitação do tempo despendido com o trabalho por razões de natureza biológica, de ordem econômica e de caráter social”. Arnaldo Süssekind.
“A limitação das horas de trabalho interessa às condições fisiológicas de conservação de classes inteiras, cuja higiene, robustez e vida entendem com a preservação geral da coletividade, com a defesa nacional, com a existência da nacionalidade brasileira”. Rui Barbosa.
Este tema é regulado pela legislação desportiva há muito tempo, conforme cronologia abaixo destacada:
1976: Artigo 6º da Lei 6.354/76 (já revogado) – Limitava a jornada do atleta a 48 horas semanais.
1988: Artigo 7º XIII da C.R.F.B. – estabeleceu que a jornada do trabalhador está limitada a 8 horas diárias e 44 horas semanais.
2001: Artigo 93 e 96 da Lei Pelé – a partir de 25/03/2001, revogaram o artigo 6º da Lei 6.354/76.
Em razão desta revogação ocorrida em 2001, respeitados doutrinadores entenderam que o limite de jornada não se aplicava ao atleta, mesmo que a Constituição Federal assim determinasse.
“O tratamento diferenciado a respeito das relações trabalhistas comuns se justifica em face da natureza especial dessa prestação de serviços, que consiste em uma peculiar distribuição da jornada entre partidas, treinos e excursões. Há relativamente ao atleta, nesse particular, um campo aberto que reclama a atuação das normas coletivas ou dos contratos individuais de trabalho”. Alice Monteiro de Barros.
2011: O artigo 28 parágrafo 4º, inciso VI da Lei Pelé, assegura ao atleta profissional jornada de trabalho desportiva de 44 horas semanais (inserido pela Lei 12.395/11).
A atual redação é criticada por doutrinadores, pois jornada se origina do vocábulo giorno, que quer dizer dia. Logo a terminologia não é a mais adequada. Contudo, deve ser ressaltado que a lei não limitou a quantidade de horas por dia trabalhada, mas sim a semanal. Tempo de concentração O artigo 7º da já revogada Lei 6.354/76, tratava do período de concentração e o limitava a três dias, salvo quando o atleta estivesse à disposição da Federação ou da Confederação.
O artigo 28, parágrafo 4º, incisos I, II e III da Lei Pelé, tratam da concentração, da seguinte forma: I – se conveniente à entidade de prática desportiva, a concentração não poderá ser superior a 3 (três) dias consecutivos por semana, desde que esteja programada qualquer partida, prova ou equivalente, amistosa ou oficial, devendo o atleta ficar à disposição do empregador por ocasião da realização de competição fora da localidade onde tenha sua sede; II – o prazo de concentração poderá ser ampliado, independentemente de qualquer pagamento adicional, quando o atleta estiver à disposição da entidade de administração do desporto; III – acréscimos remuneratórios em razão de períodos de concentração, viagens, pré-temporada e participação do atleta em partida, prova ou equivalente, conforme previsão contratual;
Na medida em que a lei desportiva passou a contemplar o pagamento de acréscimos remuneratórios em razão dos períodos de concentração, logo, não há que se falar em pagamento de horas extras neste período.
Em razão de sua natureza, o período de concentração é obrigação contratual e não integra a jornada de trabalho para fins de pagamento de horas extraordinárias, desde que observado o limite de três dias.
“A concentração é um costume peculiar ao atleta e visa resguardá-lo para obtenção de melhor rendimento na competição.” Alice Monteiro de Barros.
Neste sentido se firmou a Jurisprudência:
JOGADOR DE FUTEBOL. HORAS EXTRAS. PERÍODO DE CONCENTRAÇÃO. Nos termos do art. 7º da Lei 6.534/76, a concentração do jogador de futebol é uma característica especial do contrato de trabalho do atleta profissional, não se admitindo o deferimento de horas extras neste período. Recurso de Revista conhecido e não provido. (RR – 129700-34.2002.5.03.0104, Relator Ministro: José Simpliciano Fontes de F. Fernandes – 2ª Turma, Data de Publicação: 07/08/2009)
HORAS EXTRAS. JOGADOR DE FUTEBOL. PERÍODO DE CONCENTRAÇÃO. “A concentração é obrigação contratual e legalmente admitida, não integrando a jornada de trabalho, para efeito de pagamento de hora extras, desde que não exceda de 3 dias por semana”. Recurso de revista a que nega provimento. (RR – 405769-69.1997.5.02.5555, Relator Ministro: Antônio José de Barros Levenhagen – 4ª Turma, Data de Publicação: 05/05/2000)
Todavia, o atleta fará jus aos acréscimos remuneratórios pelo tempo de concentração, desde que haja prévia estipulação no contrato especial de trabalho desportivo. Conclusões a) O período de concentração é obrigação contratual e não integra a jornada de trabalho para fins de pagamento de horas extraordinárias, desde que observado o limite de 3 dias;
b) No cômputo do limite semanal serão incluídos todos os períodos de trabalho ou à disposição do empregador, exceto aqueles previstos no inciso III do parágrafo 4º do artigo 28 da Lei 9.615/98, aí inserido o período de concentração;
c) O período de concentração poderá gerar direito à acréscimos remuneratórios, desde que previstos contratualmente, ou por força de norma coletiva;
d) Não havendo pactuação específica, nem efetivo pagamento de acréscimos remuneratórios, o salário básico ajustado com o clube, abrangerá os serviços prestados e os períodos de concentração, viagens, pré-temporadas e participação do atleta em partida.
Maurício de Figueiredo Corrêa da Veiga é advogado,pós-graduado em Direito e Processo do Trabalho pela UCAM-RJ; Membro do IAB; Presidente da Comissão de Direito Desportivo da OAB-DF; Membro da Academia Nacional de Direito Desportivo (ANDD); Auditor do Tribunal Pleno do STJD da CBTE; Procurador Geral do STJD da CBTARCO; Membro da Escola Superior da Advocacia da AATDF; Sócio do escritório Corrêa da Veiga Advogados.
Revista Consultor Jurídico, 20 de agosto de 2014, 08:30
Fonte: http://www.conjur.com.br/2014-ago-20/correa-veiga-concentracao-jogador-nao-conta-hora-extra